Richard Zimler, é um escritor norte-americano naturalizado Português, radicado em Portugal e a residir na cidade do Porto. Richard Zimler tem publicado vários romances, alguns dos quais se tornaram bestsellers em diversos países, e já ganhou prémios como o National Endowment of the Arts Fellowship in Fiction, em 1994, e o Herodotus Award para o melhor romance histórico, em 1998.
O seu primeiro livro para crianças foi lançado em 2009, foi lançado em 2011, mais uma obra destinada aos pequeninos, ‘Hugo e Eu e as Mangas de Marte’, com ilustrações do Bernardo Carvalho.
Vamos começar esta entrevista com Richard Zimler, com um agradecimento especial pela sua gentileza em nos responder a algumas perguntas e permitir partilhar com os nossos leitores.
Blog da Criança: Richard Zimler, está radicado em Portugal já alguns anos, certo? Conte-nos um pouco da sua história e o que o levou a deixar os Estados Unidos e decidir viver em Portugal?
Richard Zimler: Nos anos oitenta, um dos meus irmãos mais velhos ficou doente com Sida. Ele vivia em Nova Iorque. Eu vivia em Berkeley, na região de S. Francisco. Foi um período muito difícil para ele, para mim, e para a nossa família – um stress constante. A Sida nessa altura era um sentença de morte, infelizmente. Quando faleceu, em Maio de 1989, fiquei muito traumatizado. Morreu com 35 anos, e quando uma pessoa jovem morre os familiares e amigos começam a questionar a justiça da vida. Não consegui retomar o meu rumo, em parte porque S. Francisco foi abalado pela Sida. Era impossível ir a um jantar ou almoço sem alguém falar da doença ou de um amigo doente. Não aguentava. Já nessa altura estava a viver muitos anos com um cientista de origem portuguesa, Alexandre Quintanilha, que nasceu e cresceu em Moçambique. Foi o Alex que me desafiou a começar de novo num sítio muito menos afectado pela Sida. Escolhemos o Porto porque o Alex já tinha recebido – alguns anos antes – um convite para dar aulas no Instituto Biomédico Abel Salazar. Mudamos em Agosto de 1990. Salvou-me a saúde mental.
Blog da Criança: O que mais o fascina em Portugal?
Richard Zimler: O português pensa duma forma diferente do Americano sobre todas as questões mais importantes da vida: morte, sexo, justiça, felicidade, realização pessoal, tolerância, solidariedade, privacidade, amizade… Por isso, a cultura portuguesa continua a representar algo de diferente e “estranho” para mim. Viver em Portugal ainda provoca choques de cultura e dificuldades de vez em quando, mas também obriga-me a reavaliar a minha maneira de pensar e, sobretudo, obriga-me a questionar os meus próprios preconceitos. Por isso, estar em Portugal significa que ainda estou a aprender muito sobre mim, sobre o mundo e sobre “o outro”. Continua a ser uma aventura, e gosto muito de ter aventuras!
Blog da Criança: Embora escreva em Inglês, Portugal está muito presente na sua obra. Existe algum motivo para esse facto?
Richard Zimler: Passo grande parte de minha vida em Portugal e, por isso, seria muito estranho se o país e a sua cultura não entrassem na minha escrita! Além disso, acho a historia portuguesa fascinante, em parte, porque tantas culturas cruzaram-se aqui. Em particular, a história dos judeus portugueses é uma fonte quase inesgotável de histórias e idéias. É uma historia marcada por momentos muito dramáticos e trágicos, e quase esquecidos também – por exemplo, o Massacre de Lisboa de 1506, em que 2000 Cristãos Novos foram mortos e queimados no Rossio. Este evento trágico forma o pano de fundo para o meu romance, “O Último Cabalista de Lisboa”. A grande maioria dos portugueses – e dos judeus na diáspora – sabem muito pouco sobre a historia de judaísmo em Portugal. É uma pena, pois é muito rica e relevante para os nossos tempos. Adoro recriar outros sítios e tempos nos meus livros, como, por exemplo, Goa no século 17, no meu romance “Goa ou o Guardião da Aurora”.
Blog da Criança: Richard Zimler é um escritor de romances de Ficção. Quando pensou em começar também a escrever para as Crianças? O que o motivou a dedicar-se a escrever para crianças ?
Richard Zimler: Curiosamente, penso que a idéia de escrever para crianças está ligado a minha experiência como professor na Escola Superior de Jornalismo e, mais tarde, na Universidade do Porto. Uma grande diferença entre América e Portugal é que os alunos portugueses são muito mais passivos que os americanos. Não sei bem o que provoca esta passividade nas escolas portuguesas, mas quando chegam à universidade a grande maioria dos alunos não quer participar ou explorar activamente as suas próprias capacidades, ou até exprimir as suas opiniões. É uma situação complicada para os professores que, como eu, desejem ter aulas vivas, interessantes e provocadoras. Na minha experiência, a maioria dos alunos universitários quer simplesmente receber informações e reproduzí-las nos exames. Irrita-me muito esta atitude, e sempre fazia tudo nas minhas aulas para “acordar” a paixão escondida ou adormecida nos alunos – para motivá-los e “arrancar” a sua participação. Ao mesmo tempo apercebi-me que, para realmente dar uma volta a esta situação lamentável, temos que começar com os mais jovens, antes deles adquirirem o hábito da passividade. Por isso, escrevi o meu primeiro livro para crianças, “Dança Quando Chegares ao Fim: Bons Conselhos de Amigos Animais.” É a minha tentativa de encorajar os mais pequenos a explorar as suas capacidades e manter a sua curiosidade. Todos os conselhos de amigos animais no livro são rimas. E as maravilhosas ilustrações de Bernardo Carvalho reforçam e mensagem de encorajamento. Por exemplo, para ilustrar o conselho “Viaja longe no teu quarto, recomenda o lagarto,” o Bernardo desenhou um rapaz a ler um livro com um lagarto amigável a pousar na sua perna. Ou, para o conselho “Segue as tuas paixões, dizem os pavões,” desenhou alguns lindos pavões a acompanhar uma rapariga num passeio.
Blog da Criança: Conte-nos como é o seu exercício criativo para elaborar um livro para um público tão exigente, como é o das Crianças?
Richard Zimler: Não é muito diferente do processo criativo para o público adulto. Quando uma ideia para um livro surge na minha cabeça, normalmente conduz-me para um personagem principal ou narrador. O próximo passo é eu entrar na pele dessa pessoa. Uma vez que “sou” essa pessoa, vejo o mundo do seu ponto de vista. No caso do meu mais recente livro para crianças, entrei no corpo e na cabeça de um jovem moçambicano que se chama Zezé. Só tem seis anos, por isso, vê o mundo e avalia as pessoas sem a experiência de uma pessoa adulta. Uma criança de seis anos não tem as defesas e ferramentas psicológicas de um adulto – está mais espontânea, mais instantânea. Daí, o ritmo de vida de uma criança ser muito diferente do de uma pessoa adulta – por exemplo, a sua disposição muda mais rapidamente. Pode estar a rir num momento e a chorar no próximo. A mais menor decepção ou uma inesperada alegria pode mudar tudo. É um desafio muito grande eu entrar ne pele de um ser tão espontâneo e, ao mesmo tempo, controlar a escrita. Mas gosto muito desta nova aventura. Ainda por cima, adoro ter seis anos de vez em quando!
Blog da Criança: Recentemente lançou um livro infantil: “Hugo e eu e as Mangas de Marte “, conte-nos um pouco da história do Livro e em que se inspirou para escrever esta obra para crianças, e porque este título?
Richard Zimler: Por coincidência, tenho vários amigos de Moçambique e Angola, incluindo a minha outra metade, Alexandre Quintanilha, com o qual estou a viver há 33 anos. Por isso, conheço bastante bem a historia dos Portugueses da África que emigraram para Portugal continental nos anos 70 do século passado, logo a seguir a independência das colónias Africanas. Conheço bem os problemas de adaptação que sofreram, em grande parte porque Moçambique, por exemplo, era um território muito mais informal que Portugal, onde as crianças Portugueses viviam uma liberdade maravilhosa. A cultura luso-moçambicana foi também muito influenciada pelo mundo anglo-saxónica, devido à proximidade da África do Sul. E toda a atmosfera – a luz, o calor, os cheiros – era diferente. Tão diferente, de facto, que muitos deles, depois de sairem, nunca voltaram para Moçambique ou Angola. Para muitos deles, a emigração representou a perda repentina da sua infância e do seu país. Foi um choque muito grande. Há dois anos, surgiu a ideia de escrever sobre eles. Pensei que seria giro e original explorar as emoções dos retornados e a ligação afectiva entre Portugal e África num livro para crianças. Então, no livro, um jovem Moçambicano que se chama Zezé encontra no velho baú do seu avô – que acabou de morrer – um ursinho de peluche. Abaixo do braço do ursinho estão duas antigas cartas bem dobradinhas em quatro. O Zezé descobre que as cartas foram escritas pelo melhor amigo do seu avô, um português que se chama João José, depois de mudar de Moçambique para Lisboa. O João José indica nas cartas que a sua morada em Lisboa. O pequeno Zezé descobre também que o ursinho chama-se Hugo e pertencia ao João José. Este não teve tempo para buscá-lo em casa quando partiu para Portugal. O Zezé decide devolver o ursinho ao João José. Com a ajuda da sua professora, mandou o Hugo para a antiga morada dele em Lisboa. E um dia, o João José – agora um homem de quase 50 anos – aparece em casa do Zezé em Maputo….
Para mim, é um livro principalmente sobre amizade e amor – e as relações afectivas entre gerações diferentes. E sobre a possibilidade de começar de novo… Já descobri que a historia provoca muitas emoções nos leitores. Há uns dias, por exemplo, antes de uma sessão com alunos numa escola em Viana do Castelo, uma professora veio ter comigo e disse-me que estava muito zangada comigo. Perguntei porquê, claro. “Porque o seu novo livro fez-me chorar tanto!” disse ela.
O “Eu” do título é Zezé. O Hugo é o Ursinho. E as “Mangas de Marte” são as mangas enormes e deliciosas da mangeira do jardim do Zezé e da sua família. São tão grandes que parecem fruta de um outro planeta, daí são chamadas “as mangas de Marte.”
Blog da Criança: O Público Infantil já pode encontrar o seu livro “Hugo e eu e as Mangas de Marte“, nas Livrarias no Brasil e restantes países em Língua Portuguesa?
Richard Zimler: A minha editora brasileira vai lançar “Dança Quando Chegares ao Fim”em 2012 e “Hugo e Eu” em 2013. Quanto aos paises PALOP, em princípio, o livro já está disponível, só que a distribuição de livros nos paises PALOP é muito complicada. Duvido muito que o livro esteja a chegar às bibliotecas e às poucas livrarias que existem num pais como Moçambique, por exemplo. Penso que devia haver mais cooperação entre os PALOP e os editores portugueses, pois devia ser possível, em princípio, combinar uma doação de livros para as bibliotecas escolares.
Blog da Criança: O Richard Zimler têm projectos para criar mais livros para universo infantil?
Richard Zimler: Sim, tenho um livro que está a ser ilustrado neste momento pelo grande artista português Júlio Pomar. Dois dos personagens do livro são animais – um cão e uma gata – e o Júlio pinta animais magnificamente. Estou super-entusiasmado com o projecto. É obviamente um enorme prazer trabalhar com Júlio Pomar. Considero-o um grande artista.
Blog da Criança: Com tanta tecnologia hoje em dia, não acha que as crianças lêem pouco?
Richard Zimler: Ultimamente tenho feito muitas sessões em escolas no norte de Portugal e penso que há muitos professores que conseguem incentivar as crianças a ler. Há duas semanas, por exemplo, fiz uma sessão numa escola em Santa Marta, perto de Viana do Castelo, e os miúdos mais pequenos – de 6 anos – apresentaram o meu livro “Dança Quando Chegares ao Fim” duma forma original e comovente. Penso que depende muito dos professores e dos pais. Um jovem que tem um pai ou uma mãe que lhe lê livros à noite, antes de dormir, vai crescer já com uma apreciação do livro como objecto de imaginação e prazer. Penso que isso faz toda a diferença. Infelizmente, nem todas as crianças têm pais que tenham a vontade ou o tempo de ficar uma hora com elas a partilhar um belo livro.
Blog da Criança: Richard Zimler na infância queria ser …
Richard Zimler: Grande jogagor de baseball
Blog da Criança: Como é a sua relação com as crianças?
Richard Zimler: Não sou pai, daí todas as crianças que conheço são filhos ou netos de amigos, ou crianças que conheço nas escolas onde faço sessões. Durante 10 anos, também era treinador de equipa feminina de basquetebol no Colegio Inglês do Porto (voluntariamente). Adorei a experiência. Foi muito especial jogar duas vezes por semana com raparigas de entre 14 e 16 anos. Tinha um excelente relacionamento com elas. Adorei a experiência.
Blog da Criança: O que mais aprecia nas crianças e no universo infantil?
Richard Zimler: Adoro o humor das crianças. Gosto muito de ouvir uma criança a rir. Faz-me rir também. Também gosto muito de ver as crianças a jogar – futebol, voleibol, basquetebol… É giro ver os mais jovens a explorar as capacidades do corpo e desenvolver as suas aptidões físicas. Também adoro ver uma criança a dormir. Sempre dá me vontade de fazer festinhas muito delicadas.
Blog da Criança: O Zimler antes de editar o livro para crianças consulta a opinião de alguma pessoa sobre o livro?
Richard Zimler: Sim, peço a opinião da minha outra metade e de alguns amigos de confiança, incluindo o meu tradutor, José Lima. Depois, conto com os conselhos do meu editor, José Oliveira, que tem 20 anos de experiência no campo de literatura juvenil e infantil. Tenho 100% confiança na opinião dele.
Blog da Criança: Quais são para si as maiores diferenças entre as crianças de hoje em dia e do seu tempo de criança?
Richard Zimler: Quando eu era criança, brincávamos sempre fora da casa. Assim que chegávamos da escola, jogavamos baseball ou futebol nas ruas. Ou andávamos de bicicleta. Todas as tardes. Mesmo no inverno. Nunca estavamos em casa antes de anoitecer. Só voltamos para casa para jantar. As nossas mães nunca preocupavam-se conosco. Tinhamos uma liberdade quase total. Hoje em dia, no mesmo bairro nos arredores de Nova Iorque onde cresci, as crianças já não brincam fora da casa. O bairro é um deserto. Estão todas em casa a brincar com os computadores ou a ver televisão. Acho isso muito triste.
Blog da Criança: Qual sua opinião acerca da educação dada as crianças nos dias de hoje?
Richard Zimler: O meu grande medo, que referi em cima, é que estamos a formar jovens muito passivos. É muito mal para eles e para o país. E hoje em dia, num tempo da crise, um adulto passivo, que não quer participar na vida, que não está disposto a mostrar as suas capacidades, não vai ao lado nenhum. Passividade é um beco sem sentido. Também tenho medo que a crise econômica em Portugal vai provocar muitos cortes na educação dos mais jovens, sobretudo nas disciplinas que – estupidamente – não se consideram essencial em Portugal: música, arte, dança, literatura… Infelizmente, os políticos portugueses subscrevem à ideia errada que a cultura não é importante. Penso que os professores e os pais vão ter que formar uma frente unida e lutar para manter os programas criativos e artisticos para as crianças.
Blog da Criança: Os Nossos Leitores são na grande maioria ligado ao universo Infantil e de vários Países Lusófonos, o Richard Zimler gostaria de deixar uma mensagem especial para eles?
Richard Zimler: Citava os dois mais importantes conselhos do meu livro “Dança Quando Chegares ao Fim”:
Ouve a voz do teu coração, recomenda o furão!
Segue as tuas paixões, Dizem os pavões!
Perguntas Rápidas para Richard Zimler:
Um Livro: “Luz em Agosto”, William Faulkner
Um filme: “Cabaret”
Um sonho: Viver ao pé do Grande Canyon durante algumas semanas
Uma viagem: Gostaria de viajar a Tailândia pois adoro a comida Tailandesa!
Um lema de vida: “And in the end, the love you take is equal to the love you make”. (Uma citação dos Beatles)
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