Olá amiguinhos, meninas e meninos do Brasil, de Portugal, Angola e de todos os países que falam o nosso lindo idioma Português. Como estão todos? Espero que bem e muito feliz. Em alguns países como o Brasil estamos em férias prolongadas de verão, em outros países as crianças já voltaram às aulas. É muito bom estudar e a cada dia aprender coisas novas não é mesmo? É muito bom poder ir à escola, aprender, brincar com os coleguinhas e desfrutar deste convívio saboroso. Mas vocês sabiam que em muitos lugares do mundo muitas crianças não tem direito a ir a uma escola? Sabiam que muitas delas sequer têm direito a ter um nome?
Abaixo vamos conhecer a história de John, um menino “identidade” que nos conta como é sua vida em seu país, onde ele não tem direito a estudar e tão pouco tem direitos básicos que toda criança merece ter. Esta é mais uma contribuição preciosa de Yolanda Castillo para o projeto “Ensinando uma criança a viver” entre o Blog da Criança e Sehiarpo Associação.
Sem Identidade – Invisível perante o mundo
Tema: direito a ter uma identidade
Todas as crianças têm sonhos. Algumas sonham em ter muitos filhos, outras em casar com um vestido branco, ou ser médicas. Também há os que sonham em fazer grandes viagens que lhes permita conhecer todos os cantos do mundo. Eu também sou uma criança e tenho sete anos, mas o meu sonho é completamente diferente dos das outras crianças. O meu sonho é que as pessoas se lembrem de mim e poder ter uma identidade. Muitos de vós estareis perguntando o que é isso de “identidade”. Vereis, todos vós sois reconhecidos por algo que se chama registo, em que os pais vão a um lugar específico preencher uns papéis, nos quais ficam gravados os vossos dados essenciais e vitais, tais como o nome, os apelidos (sobrenome) e a nacionalidade, ou seja, o nome que se dá às pessoas que habitam num país (espanhóis, italianos, portugueses, brasileiros, ingleses, etc.). Ah! Também há cédula de nascimento (ou o registro de nascimento) , que nos recorda quando nascemos e quando fazemos anos. A festa de anos pode ser mais ou menos elaborada, mas sempre há pessoas que se lembram de vós nesse dia especial. Sois conhecidos na família, colégio, vizinhança e inclusive no país, pelo nome que vossos pais escolheram para vós e o tornaram oficial indo ao lugar onde o registaram. Isto forma a vossa identidade. Pois esse é o meu sonho: ter identidade.
Que estranho não é verdade? Para vós é tão simples, tão normal e óbvio que não supõem nada especial. Nem sequer pensais em que tendes um nome, uma nacionalidade e uma identidade própria. Porque teríeis de sonhar com algo que é automático quando nascemos, não é? Na verdade, nem todas as crianças têm esse privilégio. No meu país não se regista a maioria das crianças, somos invisíveis perante a sociedade e perante o mundo, que não sabe o que acontece connosco. Não é habitual que vá à escola, porque não tenho identidade. Algumas vezes, quando a professora me vê de longe ou escondido, ouvindo-a, deixa-me entrar por algum tempo, mas não é muito frequente.
Aqui há sempre muito calor, por isso quando não tenho que trabalhar, vou à escola e sento-me debaixo da janela para ouvir as coisas que explicam às crianças que têm identidade. A maioria não sabe o meu nome, reconhecem-me como a criança morena do bairro das penas. Somente alguns membros da minha família e outros “sem identidade” do bairro, sabem que me chamo Jonh. Quase ninguém se lembra do dia do meu aniversário e nunca tive uma festa na que se celebrasse que tenho outro ano de vida. Não tenho identidade, por isso, não tenho nenhum documento tal como o bilhete de identidade, que comprove que os dados que eu digo sejam reais, que diga quem sou e de onde venho. Como me recordo de quantos anos cumpro quando passa o tempo? Aqui não há calendários onde registar os aniversários de alguém, por isso, para que não me esqueça, conto as luas cheias e sei que cada doze ciclos de luas cheias, estou de parabéns. Claro que marco com um pau, na parede do meu quarto, as luas, senão posso-me esquecer.
Sou invisível perante um mundo no qual, cada dia que nasce o sol, tem as tarefas quotidianas e os seus afazeres. Sou invisível perante vós, as crianças que têm identidade e que nem sequer se perguntam ou pensam que existem outras crianças que não podem ter esse privilégio com o qual nascemos por direito mas que alguns pais não cumprem ou que alguns países são indiferentes a existirem registos ou não. Porque teríeis vós de vos preocupar por nós? Todos somos crianças, que vimos ao mundo com direitos por nascimento, e nós, as crianças “sem identidade”, pensamos em vós, ansiamos ter algo do que vós tendes. Em contrapartida, não sabeis o que nos acontece ou porque nos acontece isto. Muitas vezes, a pobreza das famílias é tão grande, que os nossos pais abandonam-nos ou vendem-nos. Mas ninguém se dá conta, porque não temos identidade, por isso não nos podem dar importância. A sociedade local não pode sentir a nossa falta…mas os habitantes do mundo também não, porque se não temos identidade, como saberão que faltamos? É triste não ter identidade por causa da pobreza, dos interesses de alguns e da falta de interesse de outros, que provoca que sejamos muitos “sem identidade”, abandonados ou vendidos para trabalhar como escravos, e que em muitos dos casos, as organizações ou países que se preocupam pelo que se passa aos “sem identidade”, não nos encontram ou não sentem que faltamos. Como podemos pedir ajuda e a quem? Ninguém sabe que existimos…
No meu caso, os meus pais não me venderam nem me deixaram abandonado, mas nós mudamos de lugar com muita frequência, porque têm medo que as organizações do mundo que nos tentam ajudar, nos encontrem, ou que os próprios soldados que nos deviam proteger, saibam da nossa existência e nos matem. Eles não se dão conta que apenas nos querem ajudar, mas têm medo a ser penalizados por não nos terem dado uma identidade. Aqui respira-se o medo em cada passo que damos e também as mentiras….porque muitos sabem que existimos, nós sem nome…sem identidade e sem vida. Porque não ter identidade coloca-nos em risco de vida, já que aconteça o que acontecer, ninguém se dará conta, porque para eles não existimos…não estamos seguros, não sabemos o que nos passará e estaremos sempre excluídos, não só pelo nosso país como também pelo mundo.
Não podemos viajar porque não temos identidade…somos invisíveis e também ilegais, porque ninguém fez papéis com o nosso nome. Por isso somos excluídos…. Vejam que difícil é entender os adultos, por um lado dizem que nos querem proteger e ajudar, mas em contrapartida…nos excluem e não nos deixam entrar no seu mundo perfeito se somos “sem identidade”. Sonho com que tudo tenha sido um pesadelo muito feio e que os meus pais me tivessem dado uma identidade, para ter uma vida digna, não ter que esconder-me e ser reconhecido pelo mundo, para poder fazer a minha vida sem ser rejeitado por uma condição que eu não escolhi, mas que meus pais, por medo e ignorância, escolheram para mim.
Atentamente
Jonh – Sem Identidade
Sehiarpo Associação – Pelas crianças do mundo
www.sehiarpo.com